terça-feira, agosto 03, 2010


A Poesia de Namibiano Ferreira


Adulterando Álvaro de Campos



Uma mulher Mukubal e tao bela como a Vénus de Milo
o que há é pouca gente para dar por isso.
Depois de onze girassois florindo Novembro
ainda há pouca gente para dar por isso
e uma mulher Mukubal é mais bela que a Vénus de Milo.


ÓOOO - OOOOOOO - OOOOOOOOOOOOOOOO

(o vento no deserto.)
 

Homenagem a Vó Mariana esposa do grande Soba Republicano da Cidade de Tômbwa (Porto Alexandre).



Xé, miúdos da minha cidade!
É tempo de pôr rolha...
Vó Mariana espera os meninos todos
Envolta nos seus panos compridos
Descendo sobre o corpo esguio de velha sabedoria.

Contra o makulu não há rival
Sabe todos os segredos:
erva de Santa Maria
pau de kissékua…
Se o menino tem bucho virado
Vó Mariana sabe também
E na sua casa entram os miúdos todos.

É tempo de matar o makulu
vamos só na casa de Vó Mariana
pôr rolha e tomar kissékua…

O vento parou e o tempo teimou em passar.
Vó Mariana, provavelmente, já morreu
Só eu, tão longe, sismo em lembrar:
makulu, rolha, kissékua...
e Vó Mariana aberta num sorriso de marfim
vem recebendo, à porta de casa, seus netos todos:
meninos pálidos-negros-morenos.


[Pau de kissékua – casca de determinada árvore que se reduz a pó e com o qual se faz um medicamento trdicional contra os vermes intestinais.
Makulu – vermes intestinais, vulgo lombrigas.
Rolha – misturas de ervas esmagadas que se introduz no ânus das crianças como terapia complementar contra o makulu.]


 
Saudaçao Matinal

Olaripo’tivelêeee…*
-Eh!
-Nainduka! -Eh!
-Matxiririka! -Eh!


E palavras
mãos batidas ao luar do peito
entrelaçam cumprimentos
saudações matinais.


Dias de sol
espargem do céu
o presente matinal de luz
gazelas cirandam
e no trilho das boiadas
os pastores Kwanyamas
vêm cantando
enquanto o chão levanta
sem canseiras
omufitos de seios ao vento
e ao mesmo tempo
sobre a anhara luzidia
uma voz vem perguntando
lá do fundo imtemporal do Tempo:
- Quem matou a rainha do Kwanyama?



[*Primeira estrofe saudações em idioma Kwanyama (Cuanhama), Sul de Angola, província do Cunene.
Omufitos – areia fina, que voa facilmente com o vento.
Anhara – savana.]


CANÇÃO DE OMBERA
  
É no renascer do imbondeiro
que espero a chuva radiosa
aconchegando meu passos
sobre a nudez dos dias ouroverde
que hão-de pintar as telas de sonhos
e risos amenos de crianças felizes.
É no despertar da prata tamborilando
que hão-de soar múcuas ao sabor do suor
da chuva nova a cantar as canções de Ombera.

E, o arco-íris prometido, anda tatuado
nos dentes pútridos e gelados do cometa da desgraça...


[Imbondeiro – baobá.;Múcua – fruto do imbondeiro;Ombera – chuva. ]

[*Namibiano Ferreira é o pseudónimo de João José Ferreira natural de Angola, onde nasceu em 1960 na cidade de Tômbwa, província do Namibe. Vive em Inglaterra. Começou a escrever por volta dos 17 anos mas só em 1999 tornou pública a sua poesia. Desde então tem vindo a participar em várias antologias publicadas em Portugal e Brasil. Também colaborou nas revistas Alma Azul (Coimbra),  A Xanela (Galiza) e no roteiro/livro do III e IV Raid TT Kwanza Sul.]

Um comentário:

Obrigada por sua visita!
Boas Leituras.