domingo, agosto 01, 2010

 "(...) haverá geração melhor?"


por Gociante Patissa

Era para ser inesquecível, e o foi (apesar de tudo). O reencontro é, ou seja costuma ser, mesmo nas mais adversas circunstâncias, uma emoção positiva.

D. Makiadi Maria atravessava a fronteira na companhia da família, uma filha e duas netas, cujo pai, que era suposto ser genro, nunca chegou a conhecer. Mas para quê falar dele agora, se só é homem quem está presente?! Viúva de marido e de genro fugidio.

Ao partir para a sua segunda pátria, plantara a semente da esperança. Por isso, adorava a vida no estrangeiro. Não porque se sentisse realizada, mas simplesmente porque sonhava voltar à terra, quando despertasse no coração dos homens o lado mãe.

Quem é camponês onde nasce, o é em qualquer parte… se não de corpo, pelo menos de alma, sendo que, no entender da experiente D. Maria, lavrar a terra é das mais limpas profissões, as que não atraem políticos. Aliás, ela sempre teve mau pressentimento em relação aos políticos, e estava certa… se calhar.


No fundo, o que incomoda as pessoas não é tanto dos actos animais, mas a sua própria impotência perante estes. De tal forma que, aconteça o que acontecer, a imagem daquilo que nos é sublime permanece sempre viva no tesouro da memória.

D. Makiadi Maria, por exemplo, guardava na memória uma imagem adolescente do Uíge, quer enquanto cidade, quer enquanto berço da sua gente, suas raízes. Muito café, muito algodão, muita educação à sombra da mulembeira.

Essa imagem, obviamente, remetia-a aos tempos de mocidade. De repente, ela deixa de sentir a dor dos pés inchados pela caminhada, pois o subconsciente percorria, despreocupado e veloz, as artérias da cidade… correr, com a sensação de voar!

– QUEM TEM CRIANÇAS, VAI À DIREITA! – ordenava o técnico do Ministério da Reinserção Social – ESTÁS A OUVIR, Ó MAIS-VELHA?

Nesse instante, D. Makiadi acorda do sonho em que andava embalada em pé e reencarna a condição de angolana expulsa da Republica Democrática do Congo após 40 anos. A roupa que cada membro da família trazia no corpo era tudo o que aconseguiram salvar.


Várias famílias partilham o mesmo drama, o de não saberem o que fazer no dia seguinte. Enquanto isso, os políticos apertam os braços… de desculpas e entendimento diplomático. O que vem a seguir para os da base da pirâmide, D. Maria ainda não sabe, e talvez não seja a única.

"Pobres políticos… haverá geração melhor?”, indaga-se a velha no silêncio.






 [Gociante Patissa*, nome literário de Daniel Gociante Patissa, é bacharel em Linguística Inglês na Universidade Katiavala Bwila (ex-Agostinho Neto), onde frequenta o último ano do curso de licenciatura. Nasceu na comuna do Monte-Belo, município do Bocoio, interior da província de Benguela, que veio a abandonar devido à guerra civil, em 1985, para residir na cidade costeira do Lobito. Descobriu as inclinações pela literatura e comunicação social, em 1996, quando frequentava as gravações de um programa infantil da Televisão Pública de Angola, na cidade de Benguela. Na adolescência teve uma efémera passagem pela TV como aprendiz de repórter desportivo. Entrou para o sector da sociedade civil, com a fundação de ONG angolana AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade), em 1999. Ressurgiu na rádio como moderador e realizador freelance de programas de debate/mesa-redonda, em 2003. Em 2008 estreou-se com o livro de poesia "Consulado do Vazio", uma colecção de textos escritos em 12 anos. Em 2009, logo após a submissão de manuscrito de contos inéditos, foi admitido a membro da União dos Escritores Angolanos, com a qual lança em 2010 a obra "A última ouvinte". É bloguista, sendo autor do primeiro (e o único) blog em Língua Umbundu, predominante no centro e sul de Angola.www.angodebates.blogspot.com;www.ombembwa.blogspot.com]

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por sua visita!
Boas Leituras.