Adriano Botelho de Vasconcelos

“O Pais Precisa de Um CAN da Cultura” Adriano Botelho de Vasconcelos*, secretário-geral (cessante) da UEA, ao SA. Em Destaque 

 por André L. da Silva

 Ao fim do seu terceiro mandato como Secretário-geral da União dos Escritores Angolanos, ninguém melhor do que ele para fazer uma espécie de balanço do que foi a UEA nesses últimos anos, em que, reconheça-se, muitos desafios foram vencidos, graças à dinâmica que soube emprestar ao funcionamento da instituição, capaz de a tornar, hoje, numa das associações culturais mais pujantes do país.
Assim pensado, assim feito: convidámo-lo para uma grande entrevista, na qual Adriano Botelho de Vasconcelos, numa espécie de balanço, discorre, não só sobre o nosso universo literário, o que foi conseguido de bom durante o seu consulado, o que falta fazer e como se deve fazer, enfim, mas também sobre o estado da nossa cultura de um modo global. O secretário-geral cessante da UEA lamenta particularmente o desprezo a que está votada a cultura angolana, dando como exemplo o facto dos apoios governamentais à criação serem cada vez mais diminutos, assim como a falta de mecenas de grande dimensão que pudessem ajudar o sector a tocar p`ra frente. «A cultura tem sido um parente pobre do desenvolvimento do país», resume ele. Por isso, defende que, à semelhança do que aconteceu no futebol, Angola precisa de uma espécie de «CAN da Cultura», para que se dê o necessário impulso à criação de infra-estruturas e outras condições materiais para que o «parente pobre do desenvolvimento do país» possa ganhar o verdadeiro lugar que qualquer governo lhe deve reservar. Acompanhem então o resultado da longa conversa entre Adriano Botelho de Vasconcelos e o Semanário Angolense. Vale a pena.

Semanário Angolense (SA) - A cultura – faço minhas algumas das suas afirmações públicas –, infelizmente, tem sido um parente pobre do desenvolvimento do país. Como poderemos ultrapassar essa falta gritante de investimentos em bibliotecas, museus, salas de teatro e de música?

Adriano B. de Vasconcelos (ABV) - Sou um homem de cultura, vivo de forma apaixonada os seus problemas por dentro, e agora com uma melhor visão, já que tenho acesso aos seus orçamentos e programas. Defendo que é imperioso que tenhamos em «rede» esses espaços públicos e se faça face aos défices crónicos de inexistência de equipamentos multi-modais junto das comunidades e centros urbanos. Para atingirmos esse desiderato, acredito piamente que o país precisará de um «Can da Cultura», por analogia ao que foi o grande evento desportivo que acelerou os ritmos de investimento público e privado em infra-estruturas que suportassem a grande festa do futebol do continente africano. O país tem tido um grande potencial de crescimento, e, certamente, voltaremos a crescer quase nos dois dígitos. Por esse nobre motivo, as grandes estratégias programáticas do Governo deveriam contemplar um plano quadrienal de crescimento do setor que atingisse, no cômputo de uma legislatura, o grande valor simbólico de 7% do PIB. Podemos usar um certo gradualismo, estabelecer o início da bonança já no ano de 2011 e que nesse período a nossa ambição ficasse nos 2,5% do Produto Interno Bruto. Já tive interessantes conversas com o Ministro da Economia, Prof. Dr. Manuel Júnior, muito afável no trato, e pude defender que o aumento do défice em mais 0,5 décimas em recursos para construção desses equipamentos traria ganhos, não se trataria de uma simples derrapagem, mas lá para frente sentiríamos os ganhos: menos crimes, mais saber e ocupação dos tempos livres, melhor comunidade.

SA - Como seria esse «Can da Cultura» que permitisse avançar o sector com novos equipamentos num curto período de tempo?

ABV - O «Can da Cultura», melhor, a festa da cultura, simplesmente interna ou de dimensão continental, poderíamos designar de «Expo Cultura de África», ou quando de dimensão interna, «Capital da Cultura», ou na melhor das hipóteses, pudéssemos recuperar o velho festival designado FENACULT, evento que o Ministério da Cultura realizou nos anos oitenta. Qualquer grande evento com essa dimensão deverá ter como ponto essencial uma estratégia de construção de infra-estruturas capazes de, numa só realização, recuperar os atrasos e animar os empreendedores do sector privado da cultura. A não orçamentação do sector penalizará os jovens, pois deixarão de ter espaços de excelência onde poderiam desenvolver os seus pro-gramas de ocupação dos tempos livres (OTLs), e afectará também os níveis de segurança pública e de cidadania. É frequente ouvirmos: «Não temos bibliotecas» ou «Não temos salas de teatro» ou «Não temos auditórios de música» ou ainda «A nossa cultura não tem presença internacional», lamentos e inquietações que devem ser levados em conta. 

SA - Sectorialmente, como estão os apoios, já que grassa um certo desespero das instituições, que se queixam das quebras de incentivos?

ABV - Não existe uma linha estratégica que potencie as parcerias público-associativas. Nesses domínios, são instáveis as políticas do setor, assim indicam os dados estatísticos em nosso poder. A política de apoio à criação tivera o seu início no consulado do Dr. Júlio Bessa como ministro das Finanças, e o milagroso pacote de apoio foi de 4 milhões de dólares. Para além da redução nos últimos anos, e que actualmente se traduz em míseros um milhão e tal de dólares, politicamente, podemos mesmo estar já a assistir ao seu prematuro desaparecimento e a melhor prova é dada pelo fato de ao ser criada uma Comissão de Avaliação de Projectos, por despacho da ministra da Cultura, infelizmente, até hoje, não senti-mos os seus efeitos, não funciona como seria desejável e já lá vão mais de doze meses. «Não temos verbas», «Aguardem mais um pouco, vamos ver se as Finanças despacham» são as respostas mais comuns, lamúrias dos dirigentes da área de massificação, que se desculpam pela implementação tardia do despacho.

 SA - Qual seria o custo das parcerias com as tradicionais instituições que não perseguem fins lucrativos?

ABV - Se para o desenvolvimento económico, a parceria público ou privada é um novo apanágio, direi mesmo nova «bandeira» dos tecnocratas, entendo que reforçar as relações institucionais entre o Estado – o mais antigo mecenas de si próprio – e as associações sem fins lucrativos deverá ser mais que uma simples filosofia e o seu crescimento deve ser uma constante para que haja melhores níveis de desenvolvimento humano, componente «espírito e identidade». As associações de grande cunho de utilidade pública, falo da UEA, UNAC e UNAP, todas constatam que a contratualização de apoios e incentivos tem caído drasticamente sem desculpas aceitáveis, já que o nosso crescimento não é sofrível. Seriam necessários 4 milhões de dólares ano só para distribuir às tradicionais instituições parceiras, concretamente 1 milhão e meio para criação literária, edição, feiras internacionais e bolsas de criação e 2 milhões para os cantores e quinhentos mil para as artes plásticas.
 
SA - Qual seria o valor ano ideal de despesas culturais com base nas parcerias institucionais e privadas no seu todo nacional?

ABV - Para um período de uma legislatura, só as parcerias com as entidades que fazem cultura, idealmente, o seu orçamento deveria ficar situado nos 30 milhões de dólares, já que temos uma média nacional de 2 mil projetos por ano que chegam à Cultura, são dados sem a devida triagem e avaliação do seu impacto sociocultural. Hoje, o ministério da Cultura tem uma experiência que permite baixar os erros de avaliação e a escolha dos projetos. Naturalmente, o erro será nenhum se optar «casar» com as instituições mais sólidas através do que se poderá designar de parceria estratégica, desenhada na base de «contratos/programas», não só para que atinjam os seus objetivos corporativos, mas possam fazer algo mais e em melhores condições de gestão e realização que o Estado. 

SA - Outra debilidade muito comentada nos meios artísticos é a não existência de patrocínios e de mecenas que pudessem apoiar os projetos de cultura. Quer comentar?

ABV - O patrocínio das empresas do sector de telecomunicações, dos diamantes, do sector bancário, exceção ao BAI, e dos petróleos, aqui também grande exceção vai para a Sonangol Holding, não têm qualquer peso nas nossas atividades e revitalizações. Os Conselhos de Administração não incluem nos seus portefólios de «responsabilidade social» o patrocínio e incentivo direto a uma área tão sensível da nossa espiritualidade: o livro. Não sei se existe um domínio tão nuclear do desenvolvimento humano como é a força telúrica da literatura. Infelizmente, esses sinais de ausência ou menosprezo podem ter como causa os «velhos» ou os «novos estereótipos», e, até mesmo um certo complexo político, atitude retrógrada, cuja estratégia pode estar virada no sentido de deliberadamente não potenciarem esses elementos que são a veia da angolanização, do nosso imaginário, conteúdos que dão densidade a nossa capacidade de utopia e de cidadania. «Existe literatura angolana?», perguntam muitos representantes seniores dessas empresas. Naturalmente, são apologistas e defensores políticos do que chamam «cultura de massas», e aí deitam os dólares. A Sonangol Holding é o melhor exemplo de mecenato que temos registado na nossa história. Trata-se de uma relação estável e longínqua, feita de objetivos e que permitem que a UEA tenha um «Catálogo de títulos» que impressiona pela sua qualidade plástica. À sua visão e missão de negócios, juntam outra, falo da dimensão de «responsabilidade social» como valor de retorno de lucros à comunidade. Escolheram investir no imaginário e cérebros, na verdade, desde há muito que sabem que é nesse domínio que deve correr a maior aposta do país e só lhes fica bem o epíteto: «Sonangol & Literatura». A Odebrechet Angola – entre as construtoras que têm uma grande carteira de negócios devido ao boom de obras públicas –, é, infelizmente, a única que tem uma relação igualmente estável, já que garante, há oito anos, o transporte e desalfandegamento das nossas obras, e esses benefícios do patrocínio o leitor sente diretamente no seu bolso: preços baixos. Como moda ou imperativos das sociedades modernas e civilizadas, não será demais sugerir que exista a categoria de «curadores culturais» que participassem no «Board» das grandes empresas, e aí, de forma vigorosa e humanizante, pudessem ao menos virar um pouco mais o rosto das empresas só coladas ao lucro, que passassem da pura ganância às virtudes do mecenato, naturalmente, como o fazem nos seus países. 

SA - Tem tido uma posição crítica em relação aos processos de atribuição do Prémio Camões. Quais são as razões das suas reserva?

 ABV - Sim. O prémio tem contado com um corpo de jurados que não tem sido repescado nas cátedras dos países signatários do concurso. Têm sido os escritores os eternos escolhidos. Os criadores estão habilitados à escrita ficcional ou poética, mas falta-lhes a prática ensaística, mesmo que de vez em quando assinem uns artigos sobre a estética ou teoria literária. Pelo que temos lido, jamais poderão substituir os especialistas que fazem desse exercício diário as suas vidas. O escritor, na posição de crítico, deixa e gera mais desconfianças do que certezas de imparcialidade e competência num domínio que só lhe é próximo. O seu ego sempre forte e gostos muito pessoais também não ajudam na cultura da equidistância. Muitos dirão que puxam sempre a brasa para a sua sardinha, pelo grupo de amigos ou seus valores ideo-estéticos. Nesses últimos 8 anos, a UEA nunca recebeu um ofício para que enviasse à direção do concurso os seus acervos. Os membros do corpo de jurado nunca estiveram nas sessões de lançamentos com a frequência desejada, não li nada assinado por tão ilustres confrades sobre as dinâmicas criativas. Sempre estiveram à margem dessa função tão essencial para quem, em primeira-mão, deve conhecer o potencial do seu próprio país. Parece-me que o prémio é mais político do que um momento singular de votação à excelência, e ao Governo Português, entidade promotora dei conta dessa desconfiança, sugerimos alterações que evitassem que muitos conteúdos não fossem objeto de apreciação, e denunciamos a falta de critérios. 

SA - Tivemos a polémica do Prémio Nacional da Cultura. Quer comentar, já que a disciplina da literatura é a que teve mais celeumas?

ABV - Mais que comentar ou especular sobre como tudo aconteceu, prefiro avançar com a solução que sempre desejei. Depois do que ocorrera, seria bom que os políticos entendessem que o Governo não deve agir nesse domínio, ser gestor de subjetivismos e discutir o belo, baseado em conceitos fechados. Ao ter direito de veto, o exercício da dita «última palavra» condicionará sempre a decisão do «corpo de jurados», teoricamente, soberana nas suas decisões. A natureza dos procedimentos será sempre entendida como pura e anacrónica «pressão», e, naturalmente, essa tensão latente desprestigia qualquer prémio. Por que não atribuir às associações os recursos pecuniários do Prémio Nacional da Cultura, para que criem regulamentos mais exigentes e transparentes e façam renascer o prestígio da competição no domínio da Cultura e da Informação? Continuar como está, qualquer dia, quando menos contarem, mais criadores e jornalistas rejeitarão os prémios, em virtude das especulações e dos «fantasmas» que perseguem os ministros, quando dormem com as decisões dos júris, antes de apresentarem em Conselho de Ministros. Ao Governo, deve competir exclusivamente uma outra dimensão de reconhecimento e escolha dos melhores criadores através das atribuições de diversas medalhas de mérito. Não é difícil aceitar essa proposta, já que a medalha de ouro teria uma simbologia mais forte e de grande prestígio protocolar e até hierárquico: o Chefe de Estado cunharia com a sua assinatura de ouro os diplomas das Medalhas de Mérito, publicaria o seu despacho de reconhecimento nominal dos galardoados em Diário da República e prepararia a sala nobre ou o jardim do Palácio como cicerone e apresentaria à Nação os criadores premiados por melhor apresentarem a «alma angolana». Se assim procedêssemos, deixando o jogo tenso dos prémios entregue totalmente ao corpo de jurados criados pelas associações, certamente, seria mais relevante e nunca teríamos historietas à volta de cada sessão, «eu vivi», confesso.

 SA - Que reforma estatutária proporia, já que foi no seu consulado que se registaram as maiores alterações?

ABV - Não entendo como é que alguns escritores não oferecem o seu prestígio à sua própria instituição, naturalmente, incluindo no seu «catálogo de títulos» os seus acervos de ficção, poesia ou ensaio, e essa ausência dos seus portentosos conteúdos empobrecem e fragilizam a dimensão corporativa. Seria bom que o nosso estatuto tivesse um paradigma que estabelecesse o limite dos jejuns na «oferta» de títulos às coleções «Guaches da Vida», «Sete Egos», «Pitanga» ou «Praxis», concretamente, determinando os limites temporais de ausência aos escritores que tenham práticas criativas. Temos um grande exemplo de como se pode viver a dimensão de membro. O prestigiado escritor Manuel Rui, membro fundador, apesar da sua projeção internacional e de os editores nacionais estenderem-no o mais felpudo tapete vermelho, tem honrado a sua vinculação ao oferecer à UEA os seus títulos. Uma outra dimensão cívica do escritor é ter apresentado o projeto «Quem me dera ser onda», uma atitude pro-ativa que contrasta com a inércia de alguns que olham para a sua própria associação com indiferença, sem que, com ideias e projetos exequíveis, coloquem mais uma pedra na sua grandiosidade.

 SA - Falou das antologias colocadas no site e que enriquecem a sua utilidade. O escritor Arnaldo Santos, no artigo intitulado «Morrem mas não falecem», publicado no Jornal de Angola, no pretérito dia 29 de setembro, considera ser urgente os «editores» ou o «IIC», naturalmente, com a devida «colaboração dos professores de literatura» a organização de uma antologia para o «ensino de base ou médio» com conteúdos dos poetas já falecidos. Quer comentar?

ABV - Felizmente, são poucos os que desconhecem o «catálogo de títulos» da sua própria instituição, um catálogo de referência obrigatória, até pela sua qualidade plástica e pujança. Pela primeira vez, a nossa estratégia editorial nos últimos oito anos permitiu que fossem sistematizados, de forma abrangente, e com elevada exigência, os conteúdos que marcam a nossa pluralidade e história literária feita de muitos protagonistas e todos eles importantes. Têm sido publicados reparos críticos sobre as sete antologias, são análises de renomados especialistas que abordam a qualidade dos projetos e sua importância para os estudos da literatura angolana. Infelizmente, parece ser mais fácil o elogio, o reconhecimento e o incentivo acontecerem nos ambientes culturais que nos são exógenos. A obra «Nuvem Passageira - Antologia dos Poetas d`Além», de Seomara Santos e Filomena Geoveth, sob coordenação de Laura Padilha, renomada professora de literaturas africanas, responde à inquietação de Arnaldo Santos. Naturalmente, o que falta é simplesmente a sua pequena atualização. Uma preocupação que só agora começa a ganhar corpo, devido ao fator temporalidade versus fragilidade humanas & destinos, todos eles vividos de forma dolorosa, falo do Jorge Macedo, Ndunduma e Samuel de Sousa. Quem «clicar» nos motores de busca da Google e escrever «Antologias de poesia angolana», num abrir e fechar de olhos, entenderá que os nossos projetos aparecem na lista dos conteúdos «colocados» na infinita geografia do novo cosmo digital. Antes da nossa gestão, há oito anos atrás, ainda não tínhamos conquistado esse espaço portentoso de promoção. 

SA - As sete antologias têm qualidade suficiente que determine serem classificadas como «obras de leitura obrigatória» por parte dos estudantes do en-sino médio e superior?

ABV - Já enviei por três vezes o dossier sobre essa problemática, e o ministério da Educação não manifestou nenhum interesse. Tornei mais claro o nosso ponto de vista sobre essa estratégia, e falei até nos ganhos materiais do coletivo de escritores resultantes dos seus direitos de autores que «pingariam» sempre nas suas contas de poupanças, tendo em vista as inúmeras edições exigidas pelo sector. Reconhecido o mérito dos projetos de sistematização dos conteúdos de ficção e poesia, seria bom que através de um despacho administrativo pudesse tornar as sete antologias como «livros de leitura e de pesquisa obrigatória», mas paira ainda o silêncio e o desinteresse. Temo que esses conteúdos antológicos fiquem ainda mais tempo à margem das escolhas oficiais, tendo em conta a forma como se movimenta o «lobby» externo que parece determinar o que deva ser lido nas escolas. Não será pela falta de qualidade das nossas edições, prova é que os Centros de Estudos de Literatura Africana das universidades de grande prestígio têm usado e referenciado as nossas antologias como de «leitura obrigatória»

SA - Como é que as duas instituições poderão ultrapassar essas desconfianças, e até superar o tempo perdido?

ABV - Só mesmo o MEC poderá reconsiderar, responder e aceitar o nosso “passo” e desafio de aproximação lançado há muito

SA - Nas suas intervenções sobre a importância da Internet na sociedade, é comum ouvi-lo falar de forma repetida até à exaustão o adjetivo «info-excluídos», quase com uma carga ideológica. O que significa o site da UEA?

ABV - O site www.ueangola.com , naturalmente, coloca-nos na designada «Aldeia Digital», e retirou da mísera condição de info- excluída a UEA, cuja existência era, essencialmente, doméstica e numa dimensão muito acanhada, condicionada até pelas dificuldades de correios que distribuíam de forma incipiente os bens culturais. Muita da dimensão universal dos nossos escritores só foi alcançada graças ao seu site e o valor dessa existência não é algo que possa ser comensurada, é nosso vetor de universalização. O site tem uma grande importância para muitas unidades universitárias do saber, é um centro digital de conteúdos já visitado por mais de um milhão e meio de internautas. Como é do seu conhecimento, o mundo tende a deixar os espaços de confronto físicos, de hegemonia através de simples agências de cartilhas pautadas pela ideologia ou através de invasões com tanques. Uma nova civilização digital potencia ainda mais a necessidade de um crescente confronto aberto de conteúdos. Ganhará essa nova «guerra» quem oferecer mais conteúdos, quem colocar no seu portal mais bibliotecas, ter ligações «on line» de pesquisas nos domínios da ciência pura, da medicina, da antropologia e de tantos outros bens que podem tornar-se numa rede mundial de troca de conhecimentos, extensão das pesquisas e também de partilha de identidades. A UEA aglutinou, na sua home page, o que de melhor existe em termos de conteúdos analíticos à volta da nossa literatura e os «centros universitários» espalhados pelo mundo já não dispensam a utilidade pública do nosso mundo digital. O fenómeno inverso é que os seus melhores pesquisadores e analistas são parte ativa do nosso crescimento. 

SA - A UEA tem recebido apoios dedicados aos seus projetos que se inserem no mundo digital?

ABV - Não. Não temos um «contrato/programa» dedicado que pudesse melhorar a nossa presença nesse universo digital. Na verdade, onde ganham mais espaço os Governos que reconhecem que o país não é só o seu «quinhão» de terras, minas, rios e savanas, é também de conteúdos. Mesmo com os parcos recursos, hoje, quem usar os motores de busca para saber mais da nossa existência bibliográfica, ou da dimensão discursiva dos escritores, certamente, encontrará o que lhe fazia falta para a sua tese de mestrado, doutoramento ou simplesmente satisfará a sua curiosidade.
 
SA - Tem dito que o risco é não termos uma visão endógena mais presente e de maior substancia. Como poderemos colmatar essas lacunas?

ABV - A nossa cátedra e seus protagonistas, infelizmente, não têm contribuído para que exista uma praxis, um verbo ou teorização que procure conhecer e descobrir os valores dos nossos conteúdos nas disciplinas de ficção, poesia, ou mesmo no domínio da antropologia. É a cátedra do Brasil, de Portugal, e dos Estados Unidos, as que mais provocam, esmiúçam e estimulam os estudos da nossa literatura, e têm como componente importante desses estudos o patamar analítico elevado; falo das teses de doutoramentos cujos trabalhos são de grande fôlego. Ainda que tenhamos dúvidas, quem conhece melhor o potencial criativo das nossas obras de poesia ou ficção, identifica os seus traços estéticos, regista cronologicamente a nossa história literária, teoriza sobre a singularidade das correntes de estilo, é o conjunto de ensaios e obras ensaísticas que são assinados por estudiosos distantes da nossa geografia, naturalmente, contra o silêncio da cátedra angolana e dos seus Centros de Estudo. Não posso deixar de elogiar a atitude ativa do escritor Jorge Macedo, já falecido, cujo olhar ensaístico sobre a nossa literatura e sobre o meio cultural marca a visão cognitiva à volta das nossas peculiaridades criativas, ou mesmo sobre as questões culturais, deixando tópicos e linhas doutrinais que o colocam entre os «poucos» pensadores angolanos que procurou sacudir o lado adormecido da nossa cátedra. Ele amava as palavras como ninguém, por isso é-nos fácil registar os seus momentos de grande eloquência, de interrogações e de pistas. 

SA - Que alterações têm sido introduzidas para que o site tenha melhor funcionalidade?
ABV - Apostamos na formação para que não prevalecesse a «cultura de assistidos», de «por favor» ou ainda do «faça-nos isso». Hoje, os nossos técnicos atualizam, modificam o design do site, e já pesam em como potenciar as ferramentas digitais que tornem o site (home page) com melhores funcionalidades e novas linhas estéticas.

 (*) Presidente da Mesa da Assembleia Geral da UEA
Entrevista cedida pela UEA[ Parceira de Literacia]