A pesquisa em torno das Literaturas Africanas de Lingua Portuguesa;
-pontos para um balanço
[Tela de Antonio-Miranda_Kores-de-Africa]
Rita Chaves*
A permanência por um período relativamente longo num país africano traz, mesmo para quem já tem com essas realidades um contato constante, a possibilidade de acumular experiências bastante positivas para a relação com o patrimônio literário aí produzido. A oportunidade de estar em Moçambique por alguns meses e o privilégio de transitar por Angola e África do Sul — porta de entrada e saída mais utilizada nas viagens — vieram me confirmar, em muitas dimensões, a idéia da diversidade do continente. A despeito da coincidência da metrópole colonizadora, não podemos ter dúvida quanto às diferenças que distinguem Angola e Moçambique. O que pode parecer um detalhe torna-se algo relevante na medida em que ataca um dos estereótipos mais negativos na abordagem da África no Brasil. Refiro-me ao problema da homogeneização. Quase sempre o continente nos vem sob a forma de um espaço horizontalizado: ou temos a África tenebrosa das grandes calamidades, ou somos brindados com a África paradisíaca dos folhetos de turismo, ou nos deparamos com a evocação de um contexto pautado pela harmonia, cujos traços parecem sobreviver na visão utópica de segmentos da população brasileira que, marcados pelo exercício da exclusão, muitas vezes, plantam a sua idéia de identidade em reinos distantes, mitologicamente construídos.
A partir desses meses de vivência e da convivência em Moçambique, país que tenho visitado com alguma constância, penso ser oportuno fazer um balanço do que tem sido a nossa atuação como estudiosos das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, revendo aspectos dessa matéria complexa, aliás, dessas matérias, considerando que ao falar da África, insisto, é sempre cauteloso o uso do plural. Aliás, uma das conquistas dessas visitas é precisamente a convicção da necessidade de se atentar para a pluralidade da realidade cultural desse enorme e desconhecido continente como um compromisso nosso. No projeto do colonialismo havia o abafamento dessa diversidade, daí derivando a sua caracterização como um espaço indistinto. A incomunicabilidade fermentada pelos agentes coloniais ajudou a promover uma certa estagnação pela qual hoje as sociedades africanas são também cobradas. Por isso, é fundamental lembrar que a luta pelas independências foi também uma luta pelo direito à recuperação da diversidade. Mesmo o mais que complexo percurso em direção ao estado nacional tinha no horizonte a construção de uma identidade pautada pela pluralidade. Os erros, os equívocos, os desvios e as impossibilidades não podem nos impedir de localizar alguns traços que indicam fios desse desejo.
Em obras como o Mayombe, de Pepetela, estão presentes sinais desse projeto, no mesmo compasso em que se registram indicadores das dificuldades com que se vão deparar aqueles que apostavam numa visão pluralista, capaz de superar os fantasmas plantados pela ocupação colonial. Na costa oriental, a poesia de José Craveirinha ergue-se como um lugar de culto das convergências que não implicavam a dissolução da matriz africana. Após a independência, vamos encontrar a voz de Manuel Rui dando corpo a esse desejo de articular as referências que poderiam e deveriam contribuir para a criação de uma fisionomia multifacetada:
Eu estou aqui. E só me posso identificar “eu” — comigo próprio — quando me assumo presente e me identifico ao mesmo tempo plural. Nada poderei criar sem os outros e a minha personalidade determina-se pela sociedade em que vivo. Assim o nómada também. Porque está comigo e em mim encontra contradições diferentes como eu nele.
Entre mim e o nómada desaparecem os problemas da integração cultural a partir da identidade. E é também a partir dela que coordenamos nossa atitude a criar. Criamos criatividade. E criar para nós, somos nós que nos acrescentamos à natureza. No mesmo espaço onde vivemos, comemos, amamos. Para melhor. Com o pensamento. E criaremos de forma a que cada um de nós possa ser ele próprio porque conquistados na garantia de sermos nós todos.
É certo que entre as palavras de Manuel Rui e o panorama atual constatamos uma distância que nos faz pensar que essa utopia tornou-se completamente extemporânea ao programa dos governos que assumiram a gestão dos espaços ali confirmados pela delimitação das fronteiras — um dos trágicos legados do sistema colonial. No entanto, quero insistir que essa diversidade, como um patrimônio singular, em diálogo com a necessidade pragmática da unidade, constitui um dado de relevo na construção e na dinamização da história desses povos. Não há dúvida que um certo desalento toma conta das nossas idéias quando nos deparamos com a imensa quantidade de conflitos que nos são apresentados e mal explicados pelos noticiários a que temos acesso. Mas penso não ser demais lembrar que outros povos viveram processos lentos, e nem por isso os recuos foram vistos como provas incontestáveis de conquistas que, afinal, faziam parte da sinuosidade dos processos. Um bom exemplo está na Revolução Burguesa e no itinerário percorrido na consolidação de alguns de seus princípios. A lentidão de certas conquistas não significou um retrocesso total, nem fez os homens sonharem com o regresso do feudalismo.
O contato direto com a realidade moçambicana levou-me a um exercício de reflexão direcionado para o terreno um tanto pantanoso da autocrítica, conduzindo-me a rever a minha experiência de professora e pesquisadora dessas literaturas, o que, sem medo dos equívocos a que a paixão nos leva, exerci sempre como uma espécie de militância. Olhando para trás, convenço-me de que não tive medo dos equívocos, mas vejo nesse momento a oportunidade de compreendê-los e rever algumas posições. E faço isso acreditando que essa experiência pode ser compartilhada por muitos da minha geração. Além disso, colocar certos pontos em debate pode contribuir para a formação dos que vêm nessa corrida. Em suma, trata-se de atentar para alguns dos perigos que nos espreitam, o que torna oportuna a discussão que podemos travar.
O primeiro perigo, penso eu, está ligado aos riscos que corremos quando minimizamos a atenção ao fato de que essas literaturas têm suas gêneses e devem ser vistas em consonância com o patrimônio cultural de que fazem parte e do qual emergem. Nesse caso, considero fundamental reiterar que, em se tratando de Moçambique e Angola, estamos diante de sociedades em acentuada transformação. É claro que todas as sociedades são de transição, no entanto o contato com elas, sobretudo se direto, e mais ainda se prolongado, revela-nos o caráter agudo das suas transformações.
Viver, mesmo em situação de trânsito, nessas sociedades permite-nos reconhecer o ritmo e a intensidade das mudanças a que aqueles homens e mulheres estão sujeitos. O ritmo, a intensidade e a natureza das transformações — podemos enfatizar. E a produção literária não se ausenta desse processo e nela, nas formas e meios de produção, não apenas no texto pronto que nos chega encadernado, se projetam significativos elementos da realidade com a qual os seus autores estabelecem o velho diálogo, em movimentos múltiplos sempre em busca do leitor. Considero que essa preocupação faz sentido, sobretudo, se a nossa opção é por uma linha de pesquisa traçada pelas relações entre literatura e história, ou seja, se nos mobiliza aquilo que o professor Antonio Candido reconhece como uma das funções da literatura, o estudo como forma de compreender a sua capacidade humanizadora.
A consciência desse dado aponta para a necessidade de buscarmos maneiras de nos aproximarmos dessa matéria já por si complexa que é o texto literário. O contexto de intensas e reiteradas mudanças torna o trabalho mais arriscado, e, evidentemente, mais sedutor. Nessa etapa, eu me recordo dos equívocos a que me conduziu o apego extremado a certos mecanismos de análises que usamos na convicção de que estávamos a fazer análises marxistas. A pressa em desvendar certos mistérios levava-me a usar muitas vezes um instrumental que alguns representantes das elites dirigentes também usaram para (não) compreender a dinâmica de certos movimentos. Na justificativa da nossa atitude, podemos apelar ao argumento da distância. Efetivamente, de longe era o que era possível; e nós nos defendíamos com o que nos chegava. E penso que os africanos de boa-vontade também. A eles atordoava a premência de compreender e intervir numa sociedade em que era urgente promover mudanças, em meio a enorme dificuldade de distinguir a direção e a velocidade adequadas aos novos momentos. Mesmo considerando que estamos em família alargada, não vou cometer aqui a indiscrição de citar alguns dos livros que nos encantavam e que hoje certamente nem de seus autores merecem o entusiasmo de que eram cercados naquela época.
É fato, entretanto, que algumas vezes vale a pena recomendar a leitura desses textos. Isso porque acredito que eles são emblemáticos de uma fase da história de Angola, da história de sua literatura e da história de nossa trajetória enquanto pesquisadores, mas acredito, igualmente, que o desenvolvimento da situação e o amadurecimento que decorre do real contato com a realidade vivida, e não apenas a imaginada, podem ajudar a uma compreensão mais funda do nosso objeto.
Essa reflexão não significa que estou convencida da inadequação do marxismo enquanto método. A questão é a nossa capacidade de dele retermos a força da dialética como modo de considerar os elementos constitutivos do inventário sobre o qual nos lançamos. Depois desses meses, o que hoje penso é que a complexidade dessas sociedades reclama a revisão das categorias com que nos contentamos antes, na medida em que a estrutura dessas sociedades não está centrada nas relações de produção, mas sim no primado de outras solidariedades que se sobrepõem, por exemplo, às noções de classe que foram tão bem formuladas para a análise das sociedades industriais. Isso significa dizer que as clássicas dicotomias entre campo e cidade, entre camponês e operário, entre burguês e proletário não devem ser abordadas sem atenção às singularidades que o fenômeno das transformações ali produz. Considerando o caráter de transição desses contextos, mesclam-se vínculos sociais fundados em duas ordens: os ditados pelas relações de produção e os ditados pelas relações de reprodução. Noutras áreas, como a História e a Antropologia, podemos assinalar, com satisfação, o esforço de pesquisadores preocupados em examinar com argúcia e verticalidade o quadro em que se desenvolve o processo histórico naqueles países. E acredito que isso se dá também pela frequência das pesquisas no terreno que esses estudiosos têm podido desenvolver.
Num quadro social armado com essas peculiaridades, a interdisciplinaridade pode ser um grande reforço para os estudos literários. Além da sociologia de que nos aproximamos nesses primeiros momentos, e que entre alguns erros, nos possibilitou muitos acertos, parece-me que as lições da antropologia precisam ser assumidas com maior empenho. A força das singularidades que podemos reconhecer naqueles contextos leva-nos à convicção de que é preciso apurarmos os nossos instrumentos de análise, não esquecendo que as teorias da literatura a que recorremos foram pensadas para dar conta de produções que emergiram de realidades muito distantes daquelas que ali encontramos.
Mais uma vez, no desenvolvimento da minha pesquisa, foi produtivo relembrar os passos do Antonio Candido, para quem a História nunca deixou de ser uma fonte de ensinamentos. O caminho que ele percorreu para escrever a notável Formação da literatura brasileira teve sempre em conta as peculiaridades do nosso processo, o que jamais deu lugar a atitudes paternalistas. O rigor foi o seu toque, e a preocupação com o literário não deixou de estar presente em suas focalizações. Percebe-se que estamos diante de uma obra que ousou lidar com a difícil questão dos modelos e que pode nos ensinar a buscar não fórmulas gerais, mas que nos anima na busca de paradigmas capazes de delinear as sinuosidades do objeto em foco.
Esses meses de experiência vieram me confirmar a impressão de que, se a opção é pelo enfoque da literatura como um fato cultural, a abordagem deve ser mediada pela nossa disposição por um mergulho na História. E temos uma grande dificuldade considerando que essa história está registrada em poucas páginas, e que para essa travessia não podemos nos fiar nos escritores, sobretudo naqueles que declaram a sua intenção de reescrever a História do país. Eles seguem caminhos próprios da ficção e sua habilidade está em serem capazes de fingir que é verdade a invenção que confessadamente inventam.
Isso demonstra que, nessa situação, a astúcia do escritor deve ser acompanhada da astúcia do leitor, que precisa perseguir pistas diversas daquelas que o autor oferece. No caso de Angola, penso que um bom exemplo temos com o Pepetela e seu projeto de trilhar voluntariamente o terreno da História. Com suas obras podemos apreender muitos dos compassos que estruturam a realidade cultural dos angolanos, desde que saibamos nos proteger da sedução das suas redes. No caso de Moçambique, o trabalho de João Paulo Borges Coelho também pode ser encarado sob tal ótica. E para isso o melhor remédio é a busca de um conhecimento sobre essas realidades que vamos encontrar fora de seus textos. Podemos detetá-lo em documentos, noutras fontes de informação e também na experiência do terreno. Se o nosso intento é abordar a literatura em sua inserção cultural, define-se a relevância do uso de estratégias próprias dessas ciências com que nos podemos socorrer. E eu ouso dizer que nesse caso o trabalho de campo pode ser um diferencial.
A crença de que vivemos muito mais apartados da África do que imaginamos pode ser muito útil para, a despeito das dificuldades, nos convencer da urgência de conhecê-la de perto, como uma espécie de utopia, a nossa utopia como pesquisadores. Sobretudo, agora que a situação em Moçambique e em Angola sofreu grandes e positivas alterações, parece-me fundamental que passemos a considerar essa utopia como projeto. Porque isso não é possível na constância que desejamos, cabe-nos procurar outras formas de aproximação. Certamente uma via está na recepção das vozes dos africanos ou daqueles que dedicaram sua vida ao estudo daquelas realidades. Assim como ouvimos os escritores, talvez devêssemos procurar ouvir os antropólogos, os sociólogos, os historiadores, filósofos que estão trabalhando sobre suas terras e gentes. Sobretudo nesses tempos em que a temática da violência ganha energia em nosso cotidiano e ocupa um lugar cada vez maior, por que estão tão distantes dos nossos cursos e debates os textos de Frantz Fanon, esse martinicano que empenhou sua inteligência e sua sensibilidade em compreender a duríssima situação vivida na terra de seus antepassados? Por que são tão bem acolhidas as colocações de Homi Bhabha, que são sem dúvida agudas e eficazes, e são consideradas ultrapassadas as reflexões de Fanon, de quem o pensador asiático é tributário? Depois desse admirável psiquiatra martinicano, muitas vezes contrapondo-se às suas polêmicas e riquíssimas idéias, encontramos outros importantíssimos estudiosos das realidades africanas cujos trabalhos ainda não mereceram de nossa parte a atenção devida. Ruy Duarte de Carvalho e Severino Ngoenha, para citar só dois em franca atividade e com tanto a dizer, são autores de textos de grande envergadura que, entretanto, permanecem longe de nossos olhos. Ana a manda — os filhos da rede (1991), Actas da Maianga e Vou lá visitar pastores (1999), do primeiro, e Por uma dimensão moçambicana da consciência histórica, do segundo, são dessa obras que nos ajudariam a conhecer — por caminhos variados — muitos aspectos da intrincada rede cultural que caracteriza as realidades africanas.
Vale acrescentar que conhecer o que dizem de si os africanos não implica a concordância com a imagem que de si alimentam; mas o contato com suas formulações, para as quais podem confluir a aplicação nas leituras e a energia da experiência, possibilita-nos, sem abdicar da condição de estrangeiro que é a nossa, a chance de instaurar um diálogo positivo para as nossas pesquisas.
Acabo, nesse momento, de tocar num outro aspecto que me parece essencial: a nossa condição de estrangeiro, ou melhor, a importância de não perdermos de vista, ao lidarmos com esses textos, que estamos diante de uma literatura que não é nossa. E, nesse ponto, contrariando algumas correntes, ouso arriscar que a língua portuguesa pode ser um complicador. Porque ela nos dá a ilusão de que estamos perante uma situação muito familiar. Muitas convergências existem, muitos laços nos unem, e creio que, como todos que têm a África como tema, eu desejo vê-los apertados; no entanto, acho que a viabilidade desse desejo depende também da consciência serena das nossas diferenças.
Para nós o uso da língua portuguesa está consolidado, é já o resultado de uma apropriação distanciada no tempo; guardadas as singularidades nos vários contextos africanos, penso que vale para todos, talvez menos para Cabo Verde, a definição de Luandino Vieira para quem a língua dos antigos colonizadores deve ser vista como um despojo de guerra. Não podemos, pois, esquecer desse dado quando examinamos a produção literária desses países.
Na esteira dos problemas que a língua traz à tona, temos a questão da tradição oral como força moduladora desses processos literários. Certamente está aqui um dos maiores nós que essa produção nos coloca. O tema parece seduzir a todos, e um inventário do que temos escrito confirma a atenção despertada. Todavia, é aqui que, justificadamente, avançamos ainda pouco. Nossa tradição, moldada pela lógica do ocidente, não nos aparelhou para essa batalha. O nosso mérito está em abordar o problema, em denunciar a sua dimensão, mas o nosso empenho e a nossa seriedade ainda não renderam os resultados que a matéria reclama.
Com certeza, uma grande dificuldade assenta no fato de estarmos efetivamente ancorados numa tradição analítica, na qual a verdade deve ser alcançada a partir da decomposição das partes. Teoricamente compreendemos que a noção de totalidade, perdida com a fragmentação do sujeito que a modernidade nos trouxe, é o elemento de fundo das sociedades tradicionais africanas. E convive, como lastro cultural, mesmo nos setores que procuram se localizar nas fronteiras da modernidade. Porque sobrevivem ali certas noções evocativas da harmonia. Sobrevive, mais do que como nostalgia, a crença num saber inquestionável, que é tributário de uma cosmologia que não é vivida, às vezes nem conhecida por nós.
Distantes desse universo, desprovidos de um arsenal de dados que nos familiarize de verdade com o patrimônio cultural que tem suas repercussões em nossa cultura, somos, muitas vezes, vítimas de vícios que nos conduzem a interpretar sentidos gerados noutros contextos com a base que a nossa vivência elabora. O conceito de harmonia que está associado à sociedade tradicional africana e, por extensão, ao universo da tradição oral, pode ser encarado como um bom exemplo desses equívocos. Com efeito, nossa atenção é, com frequência, mobilizada pela noção de harmonia como elemento central no código das várias sociedades africanas. Muito raramente, no entanto, nos recordamos que a base dessa harmonia não é o respeito às famosas liberdades individuais de que se orgulha o discurso ocidental. O equilíbrio está no predomínio dos valores comunitários. O peso das hierarquias, a estatura do chefe, a reverência à autoridade se inscrevem nessa ordem, no entanto, muitas vezes, as análises produzidas de longe, vendo tais elementos sob uma ótica negativa, colocam essas posturas na conta já pesada da experiência revolucionária. Às gestões socialistas, que cometeram os seus erros, cobramos também pelo que consideramos um excesso de disciplina, ignorando que a formalidade é um escudo de defesa de uma ordem sócio-cultural que não potencializa a dúvida como método de conhecimento.
Elaborado longe do mundo das certezas, este texto pretende apenas erguer pontos para um balanço e escolhe a dúvida como contribuição, defendendo a interlocução como um caminho para resultados ainda mais positivos do que aqueles que, malgrado tudo, vamos conseguindo. Como uma espécie de conclusão, eu quero citar umas linhas escritas por Ítalo Calvino após visitar a exposição “A América vista pela Europa”. O texto chama-se “Como era novo o Novo Mundo” e começa assim :
Descobrir o novo Mundo era uma empresa bem difícil como todos aprendemos. Mas ainda mais difícil, uma vez descoberto o novo mundo, era enxergá-lo, entender que era novo, totalmente novo, diferente de tudo que sempre se esperou encontrar como novo. E a pergunta natural a se fazer é: se um novo mundo fosse descoberto agora, saberíamos enxergá-lo? Saberíamos retirar de nossa mente todas as imagens às quais habitualmente associamos a expectativa de um mundo diferente (aquelas da ficção científica, por exemplo) para entender a verdadeira diferença que se apresentaria aos nossos olhos?
As questões postas por Calvino podem funcionar como uma suave advertência para a empresa em que estamos envolvidos. Analisar essas literaturas, a que Manuel Ferreira chamou de “as ignoradas”, é, em muitos aspectos, percorrer caminhos não consolidados. Para evitar a consolidação de erros e equívocos, o que não significa evitar novos, é importante perseguir novos ângulos, novas perspectivas de abordagem. A “expectativa de um mundo diferente”, nas palavras de Calvino, pode ser um ponto de partida. A compreensão funda da literatura como representação e a necessidade de um embate mais amplo com a realidade de que ela surge devem fazer parte da nossa bagagem. Posso dizer que os resultados da pesquisa disso me convenceram.
[ *Rita de Cássia Natal Chaves é professora assistente-doutora na Universidade de São Paulo e atua na área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa. Também é pesquisadora associada na Universidade de Lisboa. Atuou como professora visitante na Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique.]
Colaboração da Revista Crioula, parceira de Literacia:
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