FRATURAS GEOLÓGICAS E APROXIMAÇOES CULTURAIS(*)
[I Curso para Diplomatas Africanos- Itamaraty- Fundação Alexandre Gusmão]
Affonso Romano de Sant’Anna
Dizem os especialistas em geologia que o Brasil se afasta da África 7 cm por ano. Mas assinalam que há 225 milhões de anos América e África eram um só continente- a Pangéia.
Achei que essa seria uma boa metáfora geológica para começar uma conferência para diplomatas africanos no Palácio Itamaraty, no último dia 13. Eram 29 diplomatas que a Fundação Alexandre Gusmão, de maneira insólita, reuniu no Brasil. Não são só africanos de língua portuguesa, como eventualmente se faz, mas representantes de 24 países que falam francês, inglês, árabe, além de dezenas de idiomas locais. Durante um mês, além de ouvir dezenas de especialistas brasileiros, visitarão entidades de pesquisa, usinas, fábricas, pontos turísticos. Não é mais um exercício de lusofonia, apenas.
Vejamos esses três fatos: a última Copa acaba de ocorrer na África e a próxima será no Brasil; o presidente brasileiro inaugurou nesses dias meia dúzia de embaixadas na África: e agora esse “Primeiro Curso para Diplomatas Africanos” durante todo o mês de julho. Será que o Brasil está, finalmente, abrindo os olhos para o resto do mundo e saindo do “circuito Elizabeth Arden”- Paris, Nova York Londres? Parece que sim. No mês de abril, aliás, a mesma Fundação dirigida pelo embaixador e ex-ministro da cultura Jerônimo Moscardo realizou o VIII Curso para Diplomatas Latino-americanos.
-Como a cultura, no caso latino-americano pode ser uma “plaza mayor” entre nossos povos? Como a cultura pode corrigir as falhas geoculturais entre o Brasil e a África?
QUESTIONANDO O CENTRO
Quando o pensador oficial dos conservadores americanos –Samuel Huntington ( “O choque de civilizações”-Ed.Objetiva) enumera as “civilizações” que existem ou existiram, considera a America Latina como “subcivilização” ; e a África nem chega a existir. Posição diametralmente oposta tem, por exemplo, o nosso maior entendido em África, Alberto da Costa e Silva que em “O vício da África”(Ed. Sá da Costa) chegou a dizer: “ter nível europeu é uma frase que para mim não significa nada”. E o escritor polonês recentemente falecido Ryszard Kapuscinki em vários livros fez uma verdadeira redescoberta da África, pois a olhou de dentro para fora.
Pois uma coisa nova está em movimento. Como as placas tectônicas que se deslocam, alguns deslocamentos geopolíticos e sociais estão ocorrendo na America Latina e na África. Já o relatório do “World Development Indicator” indicava em 2006 que enquanto Europa e Estados Unidos estavam em crise, a África subsaariana cresceu 4,6% mais do que media mundial e que 20 dos 50 países cresceram mais de 5% ao ano. E no que tange à America Latina, a Cepal projetou para 2010 o crescimento de 4, 1%.
A chamada “periferia” que historicamente sempre ocupou um espaço impreciso e negligenciado na história, começou não apenas a ser percebida,mas a ocupar o espaço central no sistema de representação política. Um operário e retirante nordestino é o presidente do Brasil; ex-guerrilheiros são presidentes da Argentina e Uruguai; um padre preside o Paraguai; um índio preside a Bolívia. Isto não teria maior significado se as economias desses países não demonstrassem, confluentemente, uma evidente melhora. Esse deslocamento ocorre até nos Estados Unidos onde um negro liberal chegou à presidência. E agora no Brasil, temos algo singular: aquilo que se convencionou chamar de “direita” não tem candidato à presidência. Ao contrário, temos três candidatos com uma biografia que vem da esquerda, e mais do que isto, sintomaticamente, duas mulheres são candidatas.
DESLOCAMENTOS CULTURAIS
Chegou-me às mãos esta semana o último exemplar de “Nobel Observateur” com a reportagem -“Saga África” dizendo : “Nunca a literatura africana foi tão rica. A prova é a ruandesa Scholástica Kukasonga, o congolês Dongala e a somaliana Nurudin Farah”. Isto lembrou-me que a America Latina já teve 6 Premio Nobel: Gabriela Mistral(1945), Miguel Astúrias( (1967), Pablo Neruda (1971), Garcia Marquez (1982), Octavio Paz (1990),Dereck Walcot (1992) e a África teve 4 Nobel: Woyle Soyinka (1996), Naguib Mahfouns(1988), Nadine Gordiner (1991) e John Goetze( 2003).
No entanto, enquanto os países latino americanos se independizaram há 200 anos, em 1960 , 17 países africanos ainda estavam se tornando livre. Naquele continente tudo é incrivelmente antigo e fantasticamente novo. As literaturas dequeles países, a rigor, têm poucas décadas, mas seus autores lusófonos com Germano de Almeida(Cabo Verde), Mia Couto (Moçambique), Pepetela e Ondjaki( Angola), são bem conhecidos. E o Brasil se tornou para eles e para os portugueses o grande mercado, a ponto de alguns virem morar aqui ou tomarem o Brasil como cenário de seus romances como Miguel de Sousa Tavares ( “Rio das Flores”), Agualusa( “O dia em que Zumbi tomou o Rio”).
Os escritores brasileiros têm uma relação com a África ainda distante. De alguma maneira parecem se contentar com o fato de que a Bahia é uma espécie de nação africana, como ilustra bem Jorge Amado. Por isto é meio solitária a obra de Antonio Olinto, traduzida em 19 línguas, que em “A casa da água”, “O rei do Keto”e “Trono de vidro” retrata personagens que saindo do Brasil, retornaram à Nigéria, Benin, Gana e Costa do Marfim.
MEDIDAS CONCRETAS
Data apenas dos anos 70 os cursos de literatura africana( como na USP) e a criação na editora Atica de uma coleção de ficcionistas africanos. Hoje há vários cursos de literatura africana nas universidades. Mas é pouco. Há que criar “leitorados”, aumentar as bolsas de tradução ( que criamos na Biblioteca Nacional nos anos 90), criar programas de escritores residentes lá e cá, enfim, ter uma instituição à altura do Instituto Goethe (Alemanha), Camões de( Portugal) e Cervantes (Espanha).
Uma das surpresas neste contato com os diplomatas africanos diz respeito a um projeto antigo que talvez o atual governo realize: transformar a lei de Depósito Legal. Em vez de 1 livro mandado para a Biblioteca Nacional, que separem 6 livros para as bibliotecas nacionais dos povos de língua portuguesa. Produzimos 30 mil livros novos por ano. Se tivéssemos fazendo isto há 20 anos teríamos em cada um daqueles países uma biblioteca brasileira de 600 mil volumes- uma imensa ajuda ao desenvolvimento cultural e tecnológico.
Ao ouvir isto, um dos 29 diplomatas africanos indagou: por que não mandar esses livros para toda a África?
Isto se chama –pensar grande. E prova que o continente que tem o maior deserto do mundo tem sede de Brasil.
[E nós Brasileiros,independente dos desertos , temos uma insaciável sede de África*]
Parabenizo a Revista pela qualidade , destacadamente por Africanidades. Parabenizo de igual modo ao Escritor Affonso Romano, pelo artigo impecável.
ResponderExcluirLiteracia é uma fonte cultural , onde vale beber
os conhecimentos que jorram.
Mária Angélica Barros Monteiro- Panamá