domingo, julho 04, 2010


África mãe zungueira

Tela de Vanessa Lima (Mae África)
 Gociante Patissa*


Esta que se aproxima
carrega uma criança às costas e outra no ventre
uma nuvem húmida rasga-lhe a blusa
lembrando que é hora de parar e amamentar
e lá vai ela seguindo o itinerário que a barriga traçar
gestora de um ovário condenado a não parar
porque é património social
penhora o útero na luta contra a taxa de mortalidade

Conhece bem demais a cidade
não tanto pelos monumentos
mas pela necessidade
viandante como a borboleta
fez-se fiel e histérica amante
da lei da compra e venda de porta à porta
uma lei entretanto não prevista por lei
“depender só do marido? Nunca”
mal acordou a urbe já peleja aliciando clientes
no estômago só o funji do jantar de ontem
sem tempo sequer para escovar os dentes

Lá vai mais uma dobrando a esquina
de pregão firme como a voz do tambor
humilhada aos poucos pelo sol
nos mapas de salitre da poeira que adormeceu no suor

Forte por fora muitas vezes vulnerável no íntimo
veja esta
nos olhos encarnados grita despercebida
uma mulher mal amada
nunca descoberta
rainha de etapas queimadas
ele que devia ser companheiro
é de se esconder no copo
quando os ventos são ásperos
autentico chá em taças de champanhe
não estar disposta para mais um suor sagrado
é para ele frontal apelo à violência
habituada a levar da cara odeia a sinceridade do espelho

Por aqui passou mais uma profissional da zunga
protagonista anónima com mil mestrados da vida
contudo não contada na segurança social
para o turista uma espécie de paisagem
rosto de uma noite que lançou a mulher
às avenidas dialécticas dos centros urbanos
no seu dever de sustentar a sociedade
a mesma que a condenará antes de amanhecer
por não participar da vida política
ou por não saber ler
nem escrever


In, “Consulado do Vazio” (copyright Gociante Patissa-KAT consultoria e empreendimentos, Benguela, Julho 2008)
 [Gociante Patissa*, nome literário de Daniel Gociante Patissa, é bacharel em Linguística Inglês na Universidade Katiavala Bwila (ex-Agostinho Neto), onde frequenta o último ano do curso de licenciatura. Nasceu na comuna do Monte-Belo, município do Bocoio, interior da província de Benguela, que veio a abandonar devido à guerra civil, em 1985, para residir na cidade costeira do Lobito. Descobriu as inclinações pela literatura e comunicação social, em 1996, quando frequentava as gravações de um programa infantil da Televisão Pública de Angola, na cidade de Benguela. Na adolescência teve uma efémera passagem pela TV como aprendiz de repórter desportivo. Entrou para o sector da sociedade civil, com a fundação de ONG angolana AJS (Associação Juvenil para a Solidariedade), em 1999. Ressurgiu na rádio como moderador e realizador freelance de programas de debate/mesa-redonda, em 2003. Em 2008 estreou-se com o livro de poesia "Consulado do Vazio", uma colecção de textos escritos em 12 anos. Em 2009, logo após a submissão de manuscrito de contos inéditos, foi admitido a membro da União dos Escritores Angolanos, com a qual lança em 2010 a obra "A última ouvinte". É bloguista, sendo autor do primeiro (e o único) blog em Língua Umbundu, predominante no centro e sul de Angola.www.angodebates.blogspot.com;www.ombembwa.blogspot.com]

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2 comentários:

  1. Os meus parabéns pelo BLOG!!! Já estou seguindo.
    Kandandu

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  2. Oi, Namibiano, fico contente que voltemos a cruzar neste também nutritivo forum. Ao colectivo do Blog, reiterada saudação!

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Boas Leituras.